Primeiro capítulo de Entre o Mar e as Estrelas? Quero!
Estão preparadas para subir a bordo do navio mais divertido de todos? 🌊⚓💖
Vocês me pediram e, como sou uma capitã que preza pela felicidade da minha tripulação, liberei o primeiro capítulo completinho. Arrumem as malas e se preparem para embarcar nesta aventura, pois o Excalibur já está despontando no horizonte — faltam apenas 5 dias para o lançamento! 😍
Espero que gostem! 💖
CAPÍTULO 1
Nápoles, Itália, 1773
Marceline Moretti corria desesperadamente pelas ruas tortuosas e abarrotadas de pessoas, barracas e mercadorias, tentando despistar os homens em seu encalço. Desta vez, não era a Guarda da cidade, ávida por mostrar serviço arrancando o alimento de suas mãos e devolvendo ao dono da barraca. Não, era algo muito pior.
Eram os capangas do seu futuro sogro.
Ou melhor, do seu suposto futuro sogro.
Ninguém se dera ao trabalho de lhe perguntar se aceitaria tal arranjo miserável, portanto, decidiu que a melhor forma de mostrar sua opinião era indo embora. Uma lástima que tenham recebido tão mal a sua recusa! Agora, via-se obrigada a se esconder nos túneis da Neapolis Sotterrata — Nápoles Subterrânea — ou qualquer lugar abandonado disponível, roubando comida para sobreviver e fugindo de todos que insistiam em ter algum poder sobre o seu destino.
Bom, decerto não a teriam encontrado se não tivesse voltado para buscar a herança de sua família — não era nenhuma fortuna, mas era sua! E, afinal, como poderia imaginar que aqueles malditos a reconheceriam mesmo vestida como um menino? Talvez saber precisamente o esconderijo tenha dado uma boa dica… mas isso não importava naquele momento. Precisava arrumar um jeito de ir embora daquele lugar de uma vez por todas ou jamais teria paz.
Estava cruzando uma esquina a toda velocidade quando um cavalo quase a atropelou. Assustado, o animal relinchou e empinou sobre as patas traseiras, enquanto ela derrapava pelo chão de pedra e poeira, tentando recuperar o equilíbrio.
— Ei, moleque, você quer morrer? Olhe por onde anda, desgraçado! — gritou o dono do cavalo.
Marceline não tinha tempo para lhe pedir desculpas. Aproveitou a confusão e o animal agitado impedindo a passagem para pegar outro caminho. Pendurou-se na sacada lateral de um pequeno edifício e escalou os detalhes esculpidos em relevo até chegar ao telhado de telhas vermelhas.
— Obrigada por ter me deixado escalar tantas árvores, pai. E também por todo o exaustivo treinamento — murmurou para si, hábito que adquirira recentemente, desde que ficara à própria sorte e não havia ninguém com quem conversar.
Sem demora, avaliou a distância entre as casas. Dava para seguir por ali.
Pegando impulso, saltou de um telhado a outro, aterrissando com os joelhos flexionados e distribuindo o peso rapidamente para não parti-lo. Sucesso. Agora só precisava repetir a façanha várias vezes até despistar seus perseguidores.
Enquanto pulava de uma casa para outra, sua mente cheia de adrenalina buscava rapidamente por soluções.
"Poderia roubar um cavalo e fugir para a cidade vizinha", pensou. Não, não daria certo. Era menor que esta e seu suposto futuro sogro tinha muitos contatos por lá; encontrariam-na facilmente.
"E a estrada para o norte?". Outra péssima ideia. Estava tão infestada de bandidos ultimamente que as carruagens de transporte não estavam aceitando levar qualquer pessoa, temendo ser uma armadilha. Sem contar os assaltos frequentes.
O convento, então? "Perdoe-me, Deus, mas… que o Senhor me livre deste destino." Não tinha nada contra freiras e padres, é claro; a questão era somente que… não era para ela. Aquela vida confinada, evidentemente. Quanto à salvação, esperava que sim. Quem sabe? Nunca havia feito nada de mau a ninguém!
Aquele maldito, sim. Ele acabara com sua família apenas para tomar-lhes tudo o que possuíam, e, como se não bastasse, queria dá-la de presente ao seu asqueroso, cruel e mimado filho mais novo — como se fosse uma terra que se pode possuir.
Humpf, eles que ficassem esperando!
Precisava pensar em alguma saída, alguma forma de ir para longe e sumir definitiv…
Marceline suspendeu o olhar e viu.
Mastros e velas recolhidas se aglomeravam não muito distante dali, indicando a presença de diversos navios no porto.
Era isso! Como pôde esquecer? Cavalos não andam em águas profundas e, até onde sabia, o Senhor Venicci não possuía um barquinho sequer. Poderia descer na primeira parada e recomeçar sua vida longe de todos os problemas e más lembranças. Já lamentara tudo o que havia para lamentar, portanto, levaria consigo apenas as coisas boas.
Decidiu-se.
Agora, tudo o que precisava era se livrar desses algozes e, com toda calma, alistar-se como um rapaz para a tripulação de um navio. Seu rosto anguloso ajudava a enganar, embora precisasse mentir a idade para justificar os traços femininos e disfarçar a falta do pomo de Adão. Se convenceu até agora, por que não os convenceria também?
Ou, no pior dos casos, teria de infiltrar-se em um deles.
Quando finalmente conseguiu chegar ao porto com segurança, o sol já estava baixo no céu. Primeiro, procurou por navios que estivessem aceitando novos marujos; porém, sua compleição franzina foi motivo de piada em todos. Além disso, ninguém parecia acreditar, tampouco, que alguém sem espada fosse capaz de manejar bem uma.
Não que fosse um grande diferencial, afinal, fizeram questão de enfatizar que todo homem que se preze sabia e não andava por aí sem a sua.
"Homens… Malditos sejam", frustrou-se. Não quiseram sequer lhe dar a chance de provar seu valor, apenas julgaram seu físico fraco demais para o serviço, só por olhar. Por sorte, seu pai não pensou dessa forma.
— Bom, eu tentei da maneira correta — murmurou, enquanto se escondia atrás de alguns caixotes no cais. — Vocês estão me obrigando a fazer da pior maneira.
Pior para eles, é claro. Já que não aceitaram seus serviços, seu plano era se esconder no porão de alguma embarcação e viajar às custas deles, bem quieta e sorrateira. Porém, a viagem deveria ser curta o suficiente para não ser descoberta no caminho.
Talvez não fosse tão bom para Marceline também, mas era a opção que tinha.
Aproveitando-se do escuro da noite, esgueirou-se entre os caixotes de mercadorias e entulhos para ouvir as conversas. Se fosse do tipo melindrosa, teria ficado horrorizada com o conteúdo obsceno da maior parte delas. No entanto, ficou apenas espantada e um pouco constrangida. Jamais imaginou que falassem tanto e tão abertamente sobre intimidades que, assim aprendeu, não deveriam ser discutidas com ninguém.
Precisou se concentrar para conter a curiosidade sobre o que Marta Mãos-de-Seda fizera com senhor Dinckle na noite passada, cuja repetição era merecida, para prestar atenção numa conversa mais adiante que lhe seria de mais valia.
Um homem de barba e cabelos grisalhos bastante desgrenhados falava com outro um pouco mais novo e bastante troncudo, enquanto conferiam uma carga selada sob a luz de um lampião.
— Está tudo certo com essa também. É a última leva.
— Ótimo, todas conforme o planejado. O Capitão vai ficar feliz.
— Vai mesmo. Então, podemos partir o quanto antes, logo que raiar o dia. Não vejo a hora de voltar. — O velho abriu um sorriso saudoso e simpático.
Marceline chegou mais perto e apurou bem os ouvidos, a conversa parecia tomar um rumo interessante. Porém, um cachorro apareceu, sabe-se lá de onde, latindo alto enquanto corria alegre pelo cais, seguido por duas crianças igualmente sorridentes e barulhentas.
— São só quatro…
— Manchinha, espere! — gritou um dos meninos.
— ...rapidinho. Se os ventos ajudarem, talvez até três…
— Ela vai cair na água! Corre!
— Não vejo a hora de rever…
— Alguém segure ela!
O mais velho ouviu o pedido e, com certa agilidade, abaixou-se e agarrou o animal. Este, empolgado com a brincadeira, se limitou a abanar o rabo e tentar lamber a barba bagunçada.
— Calma, garota! Para onde você estava indo? — Riu, acariciando atrás das orelhas da vira-lata.
Maldição! Não conseguiu compreender a frase completa do barbudo. Eram quatro dias? Semanas? Meses? Se bem que o ouviu dizer "rapidinho"...
— Obrigado, senhor! — As crianças chegaram até o velho, esbaforidas. — Achamos que ela iria pular na água e ficamos com medo, está escuro.
— Não há problema. Devia estar achando divertido fugir de vocês. Tome, segure.
Devolveu a cachorra com cuidado para o menino mais baixo, um sorriso gentil estampado no rosto. Deu uma rápida olhada em suas vestes.
— Onde estão os seus pais?
— Minha mãe está trabalhando agora — respondeu um.
— A minha também. Moramos aqui perto.
Os homens se entreolharam e, daquela distância, Marceline não conseguiu distinguir precisamente o que seus olhares diziam. Pesar? Compaixão?
— Entendi. — O mais velho levou a mão à algibeira no cós da calça e entregou duas moedas a cada criança. — Isso daqui é um presente, por não deixarem a cachorra pular na água. Não gastem com besteira, usem para comprar alguma comida, está bem?
Os meninos abriram a boca em espanto e, em seguida, pularam de alegria, abraçaram-no e agradeceram com entusiasmo, saltitando para fora do cais logo depois.
— Por que você sempre faz isso?
— Ora, são crianças necessitadas. Vamos voltar ao trabalho, sim? Temos esse tanto de caixas para guardar até que os outros voltem.
O troncudo deu de ombros e, agarrando facilmente uma caixa de madeira com os dois braços, seguiu para o navio de madeira escura atracado logo atrás de si. O velho, por outro lado, apresentava dificuldade para equilibrar o peso da mercadoria.
"Curioso…", pensou Marceline, decidindo-se. Aquela era a sua chance.
Silenciosa, deu a volta para fingir estar vindo do corredor principal, como quem acaba de chegar. Aproximou-se casualmente, esperando o momento certo para…
— Cuidado, senhor! — Marceline gritou, engrossando um pouco a voz, correndo para amparar o caixote que quase lhe caíra das mãos.
— Droga, minhas costas estão me matando hoje. Obrigado, garoto, pode deixar comigo agora.
— Eu posso ajudá-lo, não se preocupe! O senhor já tem idade. Para onde devo levar?
Tratou de lhe tomar o caixote antes que o impedisse ou duvidasse de sua força. Entretanto, ela mesma teve essa dúvida ao carregar sozinha o objeto. Como era pesado!
Seu esforço deve ter ficado evidente, pois o homem caiu na gargalhada.
— Parece que você não é tão forte quanto pensa, garoto — segurou nas bordas para apoiar o peso —, porém, se nós dois carregarmos, será mais fácil. Vamos levar até aquele navio, ali adiante.
Marceline apertou os lábios, encabulada, enquanto seguia andando de costas pelo cais. Força física não era sua melhor qualidade, afinal; e aqueles que a rejeitaram não estavam tão errados assim. Ainda bem que este não era o seu plano.
— O senhor não tem quem lhe ajude nessas tarefas? Eu bem que gostaria de um emprego.
— De fato, até tenho. Olha ele ali.
Apontou com a cabeça para o segundo homem, que já deixara a caixa na embarcação e estava voltando para pegar outra.
— Seis mãos são melhores que quatro!
— E parece que você sabe contar também. Quais outras qualidades gostaria de anunciar?
A julgar por seu tom divertido, sentiu que ele não a estava rejeitando totalmente.
— Sou ágil, aprendo rápido, posso limpar e até cozinh…
— Não temos vagas — o corpulento respondeu ao passar por eles.
— Mas…
— É verdade, garoto. Não estamos procurando por novos marujos.
Marceline ganhou tempo enquanto subiam pela rampa até o convés principal e depositavam o caixote ao lado de vários barris. Não era como se estivesse esperando que a aceitassem de primeira.
Fez a sua melhor expressão de súplica; a voz, um sussurro carregado de lamento.
— Por favor, senhor… Tudo o que peço é uma oportunidade. Meus pais morreram e estou sozinho no mundo, faz três dias que não como…
— Já navegou antes?
— Não, mas sou jovem, posso aprender a fazer qualquer coisa.
— Quantos anos tem?
— Dezesseis — mentiu descaradamente. Na verdade, tinha vinte e um; porém, homens dessa idade não tinham aquela aparência. — Está demorando um pouco, mas logo serei um homem feito, tão forte quanto seu amigo.
Viu-o franzir as sobrancelhas grisalhas e coçar o queixo, pouco convencido.
Maldição! Sua história não estava fazendo tanto efeito quanto gostaria. Será que ele se compadece apenas de criancinhas? Somente lhe restava apelar.
— Não precisam me pagar, apenas me cedam um teto e um prato de comida, nada mais. Se eu não lhes for útil, podem me chutar no próximo porto; só não me deixem aqui, passando fome, eu imploro…
— Até gostaria de ajudar, mas… — O erro dele foi fitá-la diretamente nos olhos. — Talvez eu possa falar com o capitão.
Vestida com as roupas mais simples de Antonio Moretti, o seu irmão mais novo — por uma sorte amarga, tal fato permitiu que as peças e botas lhe servissem com alguma folga — e munida de uma modesta bolsa com outros pertences, Marceline estava pronta para partir.
Quer a aceitassem, quer não.
Observara bem o seu alvo na noite anterior: chamava-se Excalibur, um bonito e espaçoso navio mercante, cuja madeira bastante escura quase o fazia desaparecer nas sombras.
Estranhou ter apenas aqueles dois marujos, Velho Allorio e Bohr, como eram conhecidos, presentes no navio enquanto os ajudava a guardar as caixas. Porém, logo supôs que o restante estaria aproveitando os prazeres disponíveis ao redor do porto, incluindo o capitão, pois não vira sinal sequer de tal criatura. Aproveitou o quanto pôde para conhecer o convés principal do navio, identificando possíveis esconderijos e rotas de entrada.
Quando terminou o serviço e não encontrou desculpas para permanecer, despediu-se do velho e fingiu ir embora, entretanto, ficou esperando uma oportunidade para investigar melhor. Percebera uma abertura de canhão na altura de um impulso sobre os entulhos, espaçosa o suficiente para alguém do seu tamanho passar. Além disso, os entalhes de madeira próximos à janela poderiam lhe servir de apoio.
Se não estavam em uso, não haveria ninguém por ali para lhe surpreender. Perfeito. Na teoria, era bem simples. Na prática… esperava não precisar descobrir.
O Velho Allorio mandou que viesse ao raiar do dia para falar com o capitão, pois partiriam cedo. Ainda estava escuro quando se sentou sobre a borda do cais e ficou contemplando o Sol nascer, ansiosa demais com a aventura iminente para dormir. Abriu a bolsa para apanhar seu cantil e reparou no embrulho escondido lá no fundo. Ali, enrolado em papel de seda, repousava as peças de um vestido que insistira em trazer consigo.
Ora, sabia muito bem do risco de ser descoberta, mas um vestido não era a única forma, afinal. E o que usaria quando estivesse segura em sua nova vida? Não poderia fingir-se de homem para sempre. Aliás, não queria. Gostava bastante de usar vestidos e enfeitar-se, embora calças fossem bem confortáveis. E os calçados também, tinha de admitir. Os modelos femininos não eram tão versáteis. Mas isso teria de ser comprado lá, não tinha espaço para trazer todo o seu guarda-roupa. Uma roupa íntima feminina para usar por baixo do stays que sustentaria o busto, uma anágua fina, um bolso removível e as duas peças de cima fora tudo o que trouxera da categoria feminina.
E aquele vestido era o suficiente.
Vira o tecido quando voltava com seu pai, Domenico Moretti, de uma venda na cidade e ficara encantada. Era branco, mas, conforme a luz batia, podia ver um discreto reflexo dourado em suas tramas minúsculas. Sua leveza o deixava vivo e a fluidez dos tons o tornava único a cada balanço.
Não chegou a pedir ao pai, sabia que era muito caro. No entanto, qual não foi a sua surpresa ao ser presenteada com um belíssimo conjunto de duas peças sob medida meses depois. Isto lhe arrancou um largo sorriso; já o delicado bordado de flores próximo à barra do decote lhe arrancou algumas lágrimas insistentes.
Era o bordado que sua mãe estava fazendo antes de morrer.
Sabe-se lá como, a costureira conseguiu incorporá-lo perfeitamente; sabia disso porque ele estava incompleto. A ponta sem acabamento parava bem em cima do seu coração.
Jamais poderia tê-lo deixado para trás.
Já os longos cabelos ondulados… Esses não tiveram tanta sorte. Foram resumidos à altura do pescoço — não teve coragem de cortá-los ainda mais e limitou-se a deixá-los constantemente presos. Não que precisasse. Seu próprio irmão tinha madeixas mais longas que as suas atuais e as pretendentes pareciam bem satisfeitas, obrigada. Porém, quanto mais compridos os seus fios castanho-escuros, mais evidentes ficariam os traços femininos do seu rosto.
Melhor não arriscar tanto.
Bebeu dois goles curtos e guardou o cantil, verificando novamente se a caixa com sua herança e documentos importantes estava bem escondida. Estava.
Provisões roubadas? Tinha. Alguns produtos indispensáveis de higiene? Também. Arma para se defender? Não, a sua foi tomada há semanas e não achou nenhum bêbado largado na sarjeta para roubar-lhe uma. Mas poderia arranjar outra em breve.
Só faltava o tal capitão.
Prontas? Entre o Mar e as Estrelas chega dia 14/03 na Amazon e Kindle Unlimited!
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Zahir, Marceline e a tripulação desajustada do Excalibur — eu inclusa — estão esperando por vocês!
Mil beijos,
Mima